Vírus da leprose dos citros: doença ou defesa da planta?

ácaro trasnmissor da leprose dos citros e sintomas em folhas de laranja

Explorando a interação planta-vírus na leprose dos citros: descobertas que revelam mecanismos de defesa e caminhos para o controle.

Pesquisadores do Centro de Citricultura Sylvio Moreira, Embrapa Mandioca e Fruticultura e Instituto Biológico realizaram uma importante descoberta relacionada à principal doença causada por vírus que afeta os citros, causada por vírus.

O trabalho foi desenvolvido pela Dra. Gabriella Dias Arena e contou com a colaboração do Dr. Pedro Luis Ramos-González. Como líderes do projeto estavam o Dr. Marcos Antônio Machado e a Dra. Juliana Freitas-Astua. A pesquisa, também vinculada ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Citros, identificou que o desenvolvimento da doença denominada a leprose dos citros está relacionado a interação de uma proteína específica (P61) do vírus da leprose (CiLV-C) com o sistema de defesa da planta.

Porque o vírus da leprose dos citros não é encontrado em todas as células da planta? Isto é, porque ele não é sistêmico como outros vírus?

Esse era o questionamento que intrigava os pesquisadores a respeito do CiLV-C, também conhecido como vírus da leprose dos citros. Normalmente, quando um vírus infecta um organismo vivo, é comum que ele se dissemine por todas as células.

No entanto, no caso do CiLV-C, ao infectar uma planta, ele fica restrito à região onde ocorreu o primeiro contato. Ele não se espalha por toda a planta. Por essa razão, ele depende de uma “ajuda” externa. Essa “ajuda” é proporcionada pelo ácaro vetor desse vírus (Brevipalpus yothersi).

INCT CITROS - Equipe - Marcos Antonio Machado

“Assim como o Aedes aegypti carrega o vírus da dengue, o ácaro Brevipalpus yothersi transmite o vírus da leprose dos citros. Esses são chamados de vetores assintomáticos, uma vez que os vírus não prejudicam esses organismos, mas prejudicam o hospedeiro final.” Dr. Marcos Antonio Machado

Outro aspecto que merece atenção é o fato de que na região infectada da planta, ocorre a morte do tecido infectado. Esse tipo de resposta resulta no surgimento de lesões ou manchas nos frutos e em qualquer parte da planta que tenha tido contato com o vírus. São lesões escuras, resultado da resposta da planta à infecção.

Nessa situação, a morte celular do tecido vegetal pode ser causada por dois processos: por proteínas secretadas pelo vírus (ataque do vírus); ou também pelo aumento na produção de espécies reativas de oxigênio pela planta (defesa da planta).” Dra. Gabriella Dias Arena

Impacto da doença na vida dos citricultores e consumidores é significativo

Frutos repletos de lesões perdem valor no mercado, mesmo que o vírus não tenha grandes efeitos no desenvolvimento do fruto. Dificilmente os consumidores se interessariam por frutos com aparência depreciada.

O controle da leprose dos citros acarreta custos elevados. Não existe cura para doença, nem possibilidade de controle químico do vírus. Assim, a estratégia é reduzir a transmissão do vírus pelo ácaro. Desse modo, aproximadamente 50 milhões de dólares são gastos anualmente com acaricidas para minimizar os danos causados por esse vírus. A maior parcela desse montante é destinada à compra e aplicação de agrotóxicos, visando reduzir a população de ácaros nos pomares.

Atualmente, ainda não existe uma tecnologia capaz de impedir a infecção das plantas pelo vírus ou de prevenir a formação de lesões nos frutos. Por essa razão, a melhor estratégia para reduzir o impacto da doença é controlar a população de ácaros. Sem esse vetor, a doença fica restrita a pontos isolados nos pomares.”

INCT CITROS - Equipe - Marcos Antonio Machado

“Nosso objetivo com esta pesquisa foi compreender o comportamento do vírus na planta, visando abrir caminhos para o desenvolvimento de novas tecnologias de controle da doença, com especial enfoque na infecção viral.” Dr. Marcos Antonio Machado

Conheça o experimento que permitiu o entendimento da interação entre planta e vírus.

Na ciência agrícola é comum a utilização do que chamamos de plantas modelos – espécies vegetais de ciclo curto, fáceis de cultivar, têm seus genomas relativamente pequenos e sequenciados, e assim facilitam a compreensão de genes individuais e processos biológicos em uma planta. Duas das mais conhecidas são Arabidopsis thaliana e Nicotiana benthamiana.

Gabriella Dias Arena - leprose dos citros

“As plantas modelo também se destacam pelo seu ciclo de vida curto. Ao plantar uma semente, é possível acompanhar o desenvolvimento até a formação de flores em questão de semanas, o que permite a repetição de experimentos várias vezes em um único ano. Isso contrasta com as plantas cítricas, onde esse processo é muito mais demorado.” Dra. Gabriella Dias Arena

Por esse motivo, é comum que pesquisas voltadas para a compreensão de mecanismos genéticos de resistência a doenças, pragas e fatores climáticos utilizem, em um primeiro momento, plantas modelo. Posteriormente, os mesmos resultados são validados em plantas de interesse, como os citros.”

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Plantas modelos foram utilizadas no entendimento da leprose dos citros

A planta modelo A. thaliana, quando infectada pelo vírus CiLV-C, apresenta sintomas semelhantes aos observados em plantas de citros, o que a torna uma excelente opção para estudos sobre essa doença.

Os pesquisadores buscaram identificar quais genes da planta eram “ligados” e “desligados” quando infectadas pelo vírus. Para isso, conduziram experimentos onde dividiram as plantas em dois grupos:

  • Plantas do grupo A tiveram contato com ácaros infectados pelo vírus CiLV-C
  • Plantas do grupo B tiveram contato somente com ácaros, mas sem o vírus CiLV-C

Folhas dessas plantas eram coletadas em diferentes tempos: 0 horas, 6 horas, 2 dias e 6 dias após o contato com o ácaro. Aplicou-se então a técnica de sequenciamento do RNA (RNA-seq). Diferentemente do sequenciamento do DNA, que permite identificar todos os genes presentes em um organismo (genoma), o sequenciamento do RNA permite observar quais genes estão ativos e inativos (transcriptoma) – ou seja, revela quais genes são importantes para o organismo naquele processo da interação da planta, seja com o ácaro seja com o ácaro e o vírus.

O RNA-seq é uma técnica relativamente custosa e que requer uma série de análises bioinformáticas. Portanto, seu uso deve ser minuciosamente planejado. Foram avaliados outros intervalos de tempo, incluindo até 10 dias após o contato entre os ácaros e as plantas. No entanto, os dados já indicavam que a principal interação entre a planta e o vírus ocorria logo no início desse contato.

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Os sintomas da leprose dos citros são uma defesa da planta contra o vírus

Os resultados do RNA-seq mostraram que, quando em contato com o vírus, a planta começa a reprogramar (desligar e ligar) cerca de 3 700 genes. Foi visto que esses genes estão relacionados a uma resposta de “defesa” e “alerta”. Em outras palavras, a planta entra em ação, ativando mecanismos químicos para isolar a região que foi infectada pelo vírus.

Os pesquisadores identificaram que uma série de mecanismos de defesa sendo ativados, entre eles a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), além de vários genes marcadores de uma resposta de hipersensibilidade. Essa resposta resulta na ‘morte’ das células, na região infectada pelo vírus, isolando-a e impedindo que o vírus se dissemine por toda a planta.

INCT CITROS - Equipe - Marcos Antonio Machado

“É um tipo de resposta bastante interessante. Normalmente, associamos a presença de lesões a compostos químicos produzidos por invasores como microrganismos, insetos e animais. No entanto, neste caso, observamos a própria planta produzindo compostos químicos que eliminam suas próprias células para evitar a disseminação do vírus.” Dr. Marcos Antonio Machado

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Mas como a planta detecta a infecção pelo vírus da leprose?

Para responder a essa pergunta, os pesquisadores optaram por avaliar individualmente as proteínas que compõem o vírus CiLV-C em outra planta modelo, a N. benthamiana.

INCT CITROS - Equipe - Marcos Antonio Machado

“Existem muitas metodologias já padronizadas que utilizam a N. benthamiana para estudo da produção de espécies reativas de oxigênio. Nosso objetivo era avaliar se alguma das proteínas do vírus faziam com que a planta produzisse essa resposta.” Dr. Marcos Antonio Machado

Dessa forma, os pesquisadores descobriram que a proteína P61 era a responsável por desencadear a produção de espécies reativas de oxigênio na planta. As espécies reativas de oxigênio, como O e H2O2, são tóxicas às células, levando-as à morte. Com isso há o desenvolvimento da lesão e o isolamento do vírus.

Gabriella Dias Arena - leprose dos citros

Esses resultados nos levam a crer que a leprose dos citros é resultado de uma interação incompatível entre a planta e vírus. A planta já possui em seu “sistema imunológico” mecanismos para identificar a presença da proteína P61 do vírus e, assim, ativar seu sistema de defesa, evitando a proliferação do vírus nas células vegetais”.

A pesquisa realizada pelo grupo do Dr. Marcos Machado e pelas Dra. Juliana Freitas-Astúa e Dra. Gabriella Dias Arena deu passos significativos no esclarecimento dessa importante doença, abrindo caminho para o desenvolvimento de novos produtos agrícolas para controlar o vírus da leprose dos citros. Um exemplo é a utilização de RNA interferente, uma tecnologia moderna que pode contribuir para a sustentabilidade da produção de citros.”

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Referência

Arena, G. D., et al. Plant Immune System Activation Upon Citrus Leprosis Virus C Infection Is Mimicked by the Ectopic Expression of the P61 Viral Protein. Front. Plant Sci. 2020, doi: 10.3389/fpls.2020.01188.


Conteúdo desenvolvido por: Descascando a Ciência

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