Porque o vírus da leprose dos citros não é encontrado em todas as células da planta? Isto é, porque ele não é sistêmico como outros vírus?
Esse era o questionamento que intrigava os pesquisadores a respeito do CiLV-C, também conhecido como vírus da leprose dos citros. Normalmente, quando um vírus infecta um organismo vivo, é comum que ele se dissemine por todas as células.
No entanto, no caso do CiLV-C, ao infectar uma planta, ele fica restrito à região onde ocorreu o primeiro contato. Ele não se espalha por toda a planta. Por essa razão, ele depende de uma “ajuda” externa. Essa “ajuda” é proporcionada pelo ácaro vetor desse vírus (Brevipalpus yothersi).
“Assim como o Aedes aegypti carrega o vírus da dengue, o ácaro Brevipalpus yothersi transmite o vírus da leprose dos citros. Esses são chamados de vetores assintomáticos, uma vez que os vírus não prejudicam esses organismos, mas prejudicam o hospedeiro final.” Dr. Marcos Antonio Machado
Outro aspecto que merece atenção é o fato de que na região infectada da planta, ocorre a morte do tecido infectado. Esse tipo de resposta resulta no surgimento de lesões ou manchas nos frutos e em qualquer parte da planta que tenha tido contato com o vírus. São lesões escuras, resultado da resposta da planta à infecção.
“Nessa situação, a morte celular do tecido vegetal pode ser causada por dois processos:por proteínas secretadas pelovírus (ataque do vírus); ou também pelo aumento na produção de espécies reativas de oxigênio pela planta (defesa da planta).” Dra. Gabriella Dias Arena
Impacto da doença na vida dos citricultores e consumidores é significativo
Frutos repletos de lesões perdem valor no mercado, mesmo que o vírus não tenha grandes efeitos no desenvolvimento do fruto. Dificilmente os consumidores se interessariam por frutos com aparência depreciada.
O controle da leprose dos citros acarreta custos elevados. Não existe cura para doença, nem possibilidade de controle químico do vírus. Assim, a estratégia é reduzir a transmissão do vírus pelo ácaro. Desse modo, aproximadamente 50 milhões de dólares são gastos anualmente com acaricidas para minimizar os danos causados por esse vírus. A maior parcela desse montante é destinada à compra e aplicação de agrotóxicos, visando reduzir a população de ácaros nos pomares.
Atualmente, ainda não existe uma tecnologia capaz de impedir a infecção das plantas pelo vírus ou de prevenir a formação de lesões nos frutos. Por essa razão, a melhor estratégia para reduzir o impacto da doença é controlar a população de ácaros. Sem esse vetor, a doença fica restrita a pontos isolados nos pomares.”
“Nosso objetivo com esta pesquisa foi compreender o comportamento do vírus na planta, visando abrir caminhos para o desenvolvimento de novas tecnologias de controle da doença, com especial enfoque na infecção viral.” Dr. Marcos Antonio Machado
Conheça o experimento que permitiu o entendimento da interação entre planta e vírus.
Na ciência agrícola é comum a utilização do que chamamos de plantas modelos – espécies vegetais de ciclo curto, fáceis de cultivar, têm seus genomas relativamente pequenos e sequenciados, e assim facilitam a compreensão de genes individuais e processos biológicos em uma planta. Duas das mais conhecidas são Arabidopsis thaliana e Nicotiana benthamiana.
“As plantas modelo também se destacam pelo seu ciclo de vida curto. Ao plantar uma semente, é possível acompanhar o desenvolvimento até a formação de flores em questão de semanas, o que permite a repetição de experimentos várias vezes em um único ano. Isso contrasta com as plantas cítricas, onde esse processo é muito mais demorado.” Dra. Gabriella Dias Arena
Por esse motivo, é comum que pesquisas voltadas para a compreensão de mecanismos genéticos de resistência a doenças, pragas e fatores climáticos utilizem, em um primeiro momento, plantas modelo. Posteriormente, os mesmos resultados são validados em plantas de interesse, como os citros.”
Plantas modelos foram utilizadas no entendimento da leprose dos citros
A planta modelo A. thaliana, quando infectada pelo vírus CiLV-C, apresenta sintomas semelhantes aos observados em plantas de citros, o que a torna uma excelente opção para estudos sobre essa doença.
Os pesquisadores buscaram identificar quais genes da planta eram “ligados” e “desligados” quando infectadas pelo vírus. Para isso, conduziram experimentos onde dividiram as plantas em dois grupos:
Plantas do grupo A tiveram contato com ácaros infectados pelo vírus CiLV-C
Plantas do grupo B tiveram contato somente com ácaros, mas sem o vírus CiLV-C
Folhas dessas plantas eram coletadas em diferentes tempos: 0 horas, 6 horas, 2 dias e 6 dias após o contato com o ácaro. Aplicou-se então a técnica de sequenciamento do RNA (RNA-seq). Diferentemente do sequenciamento do DNA, que permite identificar todos os genes presentes em um organismo (genoma), o sequenciamento do RNA permite observar quais genes estão ativos e inativos (transcriptoma) – ou seja, revela quais genes são importantes para o organismo naquele processo da interação da planta, seja com o ácaro seja com o ácaro e o vírus.
O RNA-seq é uma técnica relativamente custosa e que requer uma série de análises bioinformáticas. Portanto, seu uso deve ser minuciosamente planejado. Foram avaliados outros intervalos de tempo, incluindo até 10 dias após o contato entre os ácaros e as plantas. No entanto, os dados já indicavam que a principal interação entre a planta e o vírus ocorria logo no início desse contato.
Os sintomas da leprose dos citros são uma defesa da planta contra o vírus
Os resultados do RNA-seq mostraram que, quando em contato com o vírus, a planta começa a reprogramar (desligar e ligar) cerca de 3 700 genes. Foi visto que esses genes estão relacionados a uma resposta de “defesa” e “alerta”. Em outras palavras, a planta entra em ação, ativando mecanismos químicos para isolar a região que foi infectada pelo vírus.
Os pesquisadores identificaram que uma série de mecanismos de defesa sendo ativados, entre eles a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), além de vários genes marcadores de uma resposta de hipersensibilidade. Essa resposta resulta na ‘morte’ das células, na região infectada pelo vírus, isolando-a e impedindo que o vírus se dissemine por toda a planta.
“É um tipo de resposta bastante interessante. Normalmente, associamos a presença de lesões a compostos químicos produzidos por invasores como microrganismos, insetos e animais. No entanto, neste caso, observamos a própria planta produzindo compostos químicos que eliminam suas próprias células para evitar a disseminação do vírus.” Dr. Marcos Antonio Machado
Mas como a planta detecta a infecção pelo vírus da leprose?
Para responder a essa pergunta, os pesquisadores optaram por avaliar individualmente as proteínas que compõem o vírus CiLV-C em outra planta modelo, a N. benthamiana.
“Existem muitas metodologias já padronizadas que utilizam a N. benthamiana para estudo da produção de espécies reativas de oxigênio. Nosso objetivo era avaliar se alguma das proteínas do vírus faziam com que a planta produzisse essa resposta.” Dr. Marcos Antonio Machado
Dessa forma, os pesquisadores descobriram que a proteína P61 era a responsável por desencadear a produção de espécies reativas de oxigênio na planta. As espécies reativas de oxigênio, como O– e H2O2, são tóxicas às células, levando-as à morte. Com isso há o desenvolvimento da lesão e o isolamento do vírus.
“Esses resultados nos levam a crer que a leprose dos citros é resultado de uma interação incompatível entre a planta e vírus. A planta já possui em seu “sistema imunológico” mecanismos para identificar a presença da proteína P61 do vírus e, assim, ativar seu sistema de defesa, evitando a proliferação do vírus nas células vegetais”.
A pesquisa realizada pelo grupo do Dr. Marcos Machado e pelas Dra. Juliana Freitas-Astúa e Dra. Gabriella Dias Arena deu passos significativos no esclarecimento dessa importante doença, abrindo caminho para o desenvolvimento de novos produtos agrícolas para controlar o vírus da leprose dos citros. Um exemplo é a utilização de RNA interferente, uma tecnologia moderna que pode contribuir para a sustentabilidade da produção de citros.”
Arena, G. D., et al. Plant Immune System Activation Upon Citrus Leprosis Virus C Infection Is Mimicked by the Ectopic Expression of the P61 Viral Protein. Front. Plant Sci. 2020, doi: 10.3389/fpls.2020.01188.
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