Uma nova geração de plantas transgênicas: a tecnologia na agricultura que funciona como um “cavalo de Troia” contra doenças em laranjeiras.
A pesquisa liderada pelo grupo da Dra. Alessandra Alves de Souza, pesquisadora do Centro de Citricultura Sylvio Moreira, e com participação do Dr. Reinaldo Rodrigues de Souza Neto, financiamento do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), traz inovação ao transformar um mecanismo de defesa bacteriana em uma tecnologia na agricultura. O trabalho envolve a criação de plantas transgênicas de laranja doce que escondem uma toxina bacteriana em seu genoma, proporcionando uma abordagem alternativa à utilização de agrotóxicos tradicionais.
Fica com a gente e vamos juntos entender como a pesquisa básica pode fornecer ferramentas para desenvolvimento de novas tecnologias.
Bactérias produzem toxinas contra suas próprias células
Existe um mecanismo genético em bactérias chamado sistema toxina-antitoxina (TA). O interesse dos pesquisadores nesse mecanismo é porque ele está envolvido em importantes processos celulares como por exemplo: crescimento, morte e até mesmo resistência a antibióticos.
São muitos os sistemas TA encontrados em bactérias, e cada um deles possui características específicas que contribuem para a adaptação e sobrevivência desses microrganismos em diferentes ambientes.
Nos chamou a atenção o fato de duas bactérias causadoras de doenças em citros terem um genoma muito semelhantes, mas possuírem sistemas TA diferentes. Enquanto Xylella fastidiosa possui o sistema TA mqsRA, Xanthomonas citri não o possui. Dra. Alessandra Alves de Souza – Centro de Citricultura Sylvio Moreira (IAC).
O sistema mencionado pela Dra. Alessandra é composto por duas proteínas, a MqsR que, quando presente em concentrações elevadas, é tóxica para a bactéria e a MqsA que neutraliza a atividade tóxica. Quando a MqsA está presente em quantidades adequadas, a MqsR é mantida sob controle e não afeta negativamente a bactéria.
Você pode estar se perguntando: por que a bactéria produz algo que é tóxico para ela?
Quando a bactéria está vivendo em condições normais a antitoxina MqsA é produzida e mantém a toxina MqsR sob controle.
No entanto, quando a bactéria se sente ameaçada, como quando é exposta a um antibiótico ou bactericida, ela diminui a produção de MqsA. Isso faz com que a toxina MqsR comece a agir, inibindo alguns processos celulares. Isso pode parecer estranho, mas, na verdade, é uma estratégia de sobrevivência inteligente da bactéria.
A paralisação temporária do crescimento bacteriano permite que a bactéria sobreviva até que as condições do ambiente se tornem favoráveis novamente. É como se a bactéria entrasse em um modo de hibernação até que o perigo tenha passado.
Esse comportamento é chamado de “persistência”. Pesquisas do nosso grupo já demonstraram que o sistema TA mqsRA está envolvido no processo de tolerância da bactéria X. fastidiosa contra bactericidas a base de cobre – muito utilizado na citricultura. Dr. Reinaldo R. de Souza Neto – Centro de Citricultura Sylvio Moreira (IAC).
Compreendendo esse mecanismo os cientistas viram uma oportunidade: utilizar a toxina MqsR como um inibidor de crescimento contra X. citri e possivelmente outras bactérias que não possuíssem a antitoxina.
Num primeiro momento precisávamos confirmar nossa hipótese de que a toxina MqsR teria o efeito esperado no controle de X. citri. Para isso, avaliamos em laboratório o efeito da toxina pura contra a bactéria.Os resultados mostraram que mesmo concentrações baixas da proteína eram eficientes em reduzir o crescimento da bactéria e isso acontecia em poucas horas. Dra. Alessandra Alves de Souza – Centro de Citricultura Sylvio Moreira (IAC).
Diversos experimentos foram conduzidos para validar o funcionamento da toxina e antitoxina nas bactérias. Com um conhecimento completo desse mecanismo, os pesquisadores avançaram para o desenvolvimento da nova tecnologia.
Ataque de cavalo de troia: uma nova tecnologia na agricultura
Certamente você já ouviu a expressão cavalo de troia, frequentemente usada para se referir a algo que parece benéfico por fora, mas, que na realidade esconde algo. A tecnologia agrícola desenvolvida pelo grupo de pesquisa da Dra. Alessandra tem suas semelhanças com um cavalo de troia.
Os pesquisadores conseguiram criar uma planta transgênica de laranja doce (Citrus sinensis) que contém, em seu genoma, a sequência genética (gene) responsável pela produção da toxina MqsR.
Em termos simples, esta planta transgênica é praticamente idêntica a qualquer outra laranja doce, exceto por um pequeno fragmento de DNA que faz com que ela produza a toxina naturalmente.
O que é notável é que a bactéria X. citri pode infectar essa planta transgênica, mas não consegue se desenvolver nela, evitando assim a ocorrência da doença.
Essa abordagem, que utiliza o sistema TA em plantas transgênicas, representa uma estratégia inovadora e uma alternativa ao desenvolvimento de agrotóxicos tradicionais. Podemos considerar a tecnologia apresentada neste artigo como um protótipo do que poderia se tornar uma nova geração de plantas transgênicas. Dr. Reinaldo R. de Souza Neto – Centro de Citricultura Sylvio Moreira (IAC).
Referência
Souza-Neto, R. R. et al.MqsR toxin as a biotechnological tool for plant pathogen bacterial control. Nature Scientific Reports, 2022.
Complete o formulário ao lado e deixe sua mensagem ou comentário para a equipe do INCT CITROS. Seus dados são protegidos e utilizados unicamente pela equipe do projeto para retornar o contato.