Pesquisa do INCT Citros identifica composto de fungo endofítico eficaz no controle de doenças de citros.
O cerrado brasileiro é admirado por sua importância ecológica e cultura. Não é por acaso que um dos projetos do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) teve como objetivo buscar na biodiversidade do cerrado soluções tecnológicas para citricultura .
Os frutos dessa pesquisa levaram o grupo de cientistas, liderados pela Dra. Chirlei Glienke, e Dra. Daiani Savi a identificar uma espécie de fungo endofítico com uma importante atividade biológica – o controle de doenças em citros.
Mas, afinal, o que são fungos endofíticos?
São denominados endofíticos quaisquer microrganismos (incluindo os fungos) que vivem dentro das plantas sem causar nenhum dano aparente. Toda planta abriga uma rica diversidade de microrganismos endofíticos, muitos dos quais nunca foram estudados. Nesse sentido, a relação benéfica, muitas vezes identificada entre plantas e endofíticos, tem atraído cada vez mais a atenção de pesquisadores de diversas áreas.”
Estudar fungos endofíticos é uma das especialidades do grupo de pesquisa da Dra. Chirlei Glienke – Universidade Federal do Paraná (UFPR) que há muitos anos faz buscas por esse tipo de microrganismo em plantas medicinais do cerrado brasileiro.
Desde então, novas espécies de fungos têm sido descobertas assim como espécies já identificadas, mas que não tiveram seu potencial devidamente avaliado. Trabalhos como esse são de extrema importância e mostram quão enorme pode ser a biodiversidade microbiológica e abrem portas para o desenvolvimento de novas tecnologias.
Fungo endofítico como fonte de tecnologia agrícola
Diaporthe cf. heveae é apenas um entre os milhares de fungos endofíticos já identificados pela Dra. Chirlei em plantas do Brasil. No entanto, esse microrganismo foi recentemente isolado também de uma planta do cerrado brasileiro, o Barbatimão (Stryphnodendron adstringens), conhecido pelo seu uso popular no tratamento de infecções, lesões e outras aplicações medicinais.
“Utilizar microrganismos no controle de doenças de plantas é uma tendência da agricultura sustentável. Pesquisas como essa são o primeiro passo para desenvolvimento de produtos biológicos” Dra. Daiani Savi – Universidade Federal do Paraná.
Diante disso, os pesquisadores optaram por explorar o potencial do D. cf heveae como tecnologia agrícola no controle de duas doenças que acometem plantas de citros: pinta preta e podridão floral dos citros. Ambas são causadas por fungos, Phyllosticta citricarpa e Colletotrichum abscissum, respectivamente.
A escolha do fungo endofítico D. cf heveae não foi por acaso
Tanto a pinta preta como a podridão floral são doenças de grande importância para a citricultura, pois podem ocasionar redução na produção dos pomares de laranja em até 85%. Atualmente, existem poucos produtos capazes de controlar os fungos patogênicos que causam essas doenças no campo. Por esse motivo, muitos dos fungos endofíticos encontrados pelos pesquisadores são testados contra os fungos patogênicos.
Os fungos endofíticos podem controlar os fungos patogênicos de diferentes maneiras. Nos trabalhos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa da Dra. Chirlei, foi observado que o D. cf heveae, quando em um mesmo ambiente, impedia que P. citricarpa e C. abscissum crescessem – havia algo sendo produzido pelo fungo endofítico que inibia o desenvolvimento dos fungos patogênicos, como demonstrado nos experimentos de cultura pareada.
Para investigar o que estava acontecendo, uma técnica foi utilizada para produção e extração de compostos químicos secretados pelo fungo endofítico, resultando no que chamamos de extrato concentrado de metabólitos secundários ou “extrato bruto”. Em um novo experimento, esse extrato foi aplicado sobre os fungos patogênicos e, como esperado, o desenvolvimento de P. citricarpa e C. abscissum também foi inibido.
“Os resultados de ambos os experimentos foram muito positivos. Nos mostraram que o Diaporthe cf. heveae era capaz de inibir quase 90% do crescimento micelial de P. citricarpa e em 72% o de C. abscissum.” Dra. Chirlei Glienke – Universidade Federal do Paraná.
O que fez com que os fungos patogênicos parassem de crescer?
Essa foi a pergunta que intrigou os pesquisadores ao enxergarem o potencial do fungo endofítico D. cf heveae. Decidiram, então, identificar os principais compostos químicos presentes no extrato bruto. Dentre os oito compostos identificados, somente um se mostrou eficiente em inibir o desenvolvimento dos fungos patogênicos: um composto fenólico pertencente à classe das Di-hidroisocumarinas.
“A eficiência dos compostos foi testada em diferentes experimentos, tanto em placas de petri com meio de cultura (in vitro) quanto em situações em que o fungo estava presente nos frutos ou flores (in vivo). Com isso, identificamos que o composto responsável por inibir o desenvolvimento dos fungos era a Di-hidroisocumarina.” Dra. Daiani Savi – Universidade Federal do Paraná.
Outros experimentos mostraram que a Di-hidroisocumarina produzida pelo D. cf heveae não é tóxico para células vegetais de citros nem para células humanas, sendo os primeiros indícios de que um produto desenvolvido a partir desse composto químico será seguro para pessoas e meio ambiente.
O caminho para uma nova tecnologia agrícola
O desafio agora é desenvolver uma formulação que transforme o fungo endofítico em uma tecnologia viável, combinando o princípio ativo com outras substâncias que não têm efeito direto nos fungos patogênicos, mas podem potencializar a ação dos produtos (aditivos). Produtos formulados possuem maior eficiência, estabilidade, durabilidade e outras características importantes para o controle das doenças e segurança de quem os aplica.
“Existem dois caminhos possíveis para desenvolvimento de uma tecnologia agrícola: formulação de um produto biológico em que o princípio ativo seja o próprio fungo ou um produto químico em que o princípio ativo seja o composto fenólico.” Dra. Chirlei Glienke – Universidade Federal do Paraná.
Essa descoberta é de extrema relevância para a indústria agrícola, pois aponta para a possibilidade de desenvolver novas alternativas naturais para o controle de doenças que afetam as culturas cítricas.
Atualmente, existem poucos produtos disponíveis para combater as doenças fúngicas em citros, a utilização de compostos naturais derivados desses fungos endofíticos pode representar uma abordagem para o manejo integrado de doenças – mais sustentável e amigável ao ecossistema.
Fontes:
Savi, D. C., et al. Dihydroisocoumarins produced by Diaporthe cf. heveae LGMF1631 inhibiting citrus pathogens. Folia Microbiologica, 2020. https://doi.org/10.1007/s12223-019-00746-8.
Noriler, S. A., et al. Bioprospecting and Structure of Fungal Endophyte Communities Found in the Brazilian Biomes, Pantanal, and Cerrado. Frontiers in Microbiology, 2018. https://10.3389/fmicb.2018.01526.
Complete o formulário ao lado e deixe sua mensagem ou comentário para a equipe do INCT CITROS. Seus dados são protegidos e utilizados unicamente pela equipe do projeto para retornar o contato.